sexta-feira, 4 de março de 2011

CONTACT-CENTER E A DEGRADAÇÃO DO TRABALHADOR.

Por Guilherme Drews Peres


CONCEITO DE “CALL-CENTER”: Vem da língua inglesa: “call” = chamada e “center” = centro, ou seja central de chamadas em uma tradução literal. O conceito “Call-Center” é muito mais utilizado pelo público em geral, pois dentro destes centros os funcionários de alto-escalão usam o conceito “Contact-Center”, também da língua inglesa: “contact” = contato e novamente “center” = centro, formando na tradução literal “Central de Contatos” uma denominação mais genérica. Esse conceito de “Contact-Center” é aplicado para justamente ampliar a carga de operações sobre o trabalhador deste setor, pois a partir desta denominação, muito mais ampla, os trabalhadores atendem e efetuam chamadas, recebem e enviam e-mails, enviam e recebem mensagens via “chat”, ou seja, toda e qualquer forma de contato será feito por esse tipo de trabalhador e nessa central.



CONCEITO DE TELE-OPERADOR: Essa profissão que hoje emprega mais de um milhão de pessoas no Brasil derivou do “operador de tele-marketing”, da língua inglesa, em tradução literal “operador de tele-vendas”. O “operador de tele-marketing” tinha como objetivo a venda através do telefone exclusivamente, com o avanço das tecnologias e a necessidade de somar valores aos serviços prestados sem aumentos dos custos operacionais, as empresas prestadoras destes serviços passaram a auto se denominar “Contact-Center”, ampliando o leque de serviços aos seus clientes com atendimentos fonados (recebendo e efetuando chamadas), através chat, e-mail, SMS e até mesmo, em alguns casos pessoalmente.



ROTINAS DO “CONTACT-CENTER”: “É um trabalho extremamente cansativo e mecânico. Sentia-me vigiado por todos os lados. Supervisores, câmeras, o computador sendo monitorado, assim como as ligações. Existiam boatos que quando a ligação tinha eco estávamos sendo monitorados. A pressão interna era muito grande. Não agüentei muito tempo”. A lembrança é do hoje estudante de psicologia, Luis Farcetta, que trabalhou durante seis meses em uma central de atendimento (call center) fazendo habilitações de linhas para uma empresa de celulares.



Considerado muito um subemprego, neste caso, até mesmos os trabalhadores do “Contact-Center” o rotulam assim, a rotina destes centros e de alta pressão, estresse e cobranças exacerbadas pelos superiores hierárquicos.



Trabalho árduo! O tele-operador geralmente trabalha seis horas por dias, mas isso foi regulado apenas há pouco tempo com a Norma Regulamentadora 17, Anexo II, do Ministério do Trabalho, anteriormente os trabalhadores dos “Contact-Center” trabalhavam até doze horas por dias ou se fazia o horário que empresa determinava em muitos “Contact-Center’s” o tele-operador ia embora após o atingimento de sua meta diária, ou seja sua jornada poderia se estender a mais de 12hs diárias.


O tele-operador, hoje, face a NR-17, pode ter uma pausa de 20 minutos (extra-jornada), ou seja, descanso não remunerado, chamada de pausa-lanche, e outras duas pausas de dez minutos cada, intitulada pausas-descanso.



Cada trabalhador tem um posto, pequeno, apertado, geralmente com a visão lateral encoberta o que dificulta o contato com outros colegas, para receber e originar contatos das mais diversas formas.



Os postos são feitos atualmente em revezamento, o que faz com que os computadores ali instalados fiquem ligados 24hs por dia sete dias por semana, os teclados e os mouses são compartilhados por inúmeros trabalhadores.



Cada tele-operador registra em média 130 atendimentos em sua jornada, sempre rigorosamente vigiado pelos superiores na hierarquia do empregador.



O monitoramento do trabalhador é “milimétrico” cada passo do trabalhador é vigiado: As empresas de “Contact-Center” detém o poder de vigiar olhos, voz, ouvidos, mãos e até mesmo suas necessidades fisiológicas dos trabalhadores.



Vigilância dos Olhos: As empresas adotam sistema de VNC (monitoramento de tela a distância) assim podem vigiar o que o trabalhador enxerga diante de seus olhos na tela do computador, podendo inclusive movimentar o mouse e o teclado à distância, podem fazer operações sem o conhecimento do trabalhador.



Vigilância da Voz e Ouvidos: As ligações são ouvidas pelos superiores hierárquicos, desta feita monitoram a voz e ouvidos do trabalhador, podendo ouvir inclusive conversas quando os mesmo não estão em atendimento, à chefia dos trabalhadores, orientados pelos mais altos escalões, aplicam sinais sonoros ou visuais ou caso o atendimento se prolongue além do TMA (tempo médio de atendimento), muitos casos o trabalhador tele-operador recebe uma advertência verbal ante todos os trabalhadores pela demora no atendimento.


Vigilância das mãos: A patronal consegue identificar através de um sistema chamado “key-logger” que na tradução literal significa “Registrador de Teclas”, tudo que é digitado pelo trabalhador fica registrado, senhas, códigos pessoais de acesso aos programas de trabalho, informações que são passados ao trabalhador em sigilo facilmente são obtidas pela patronal.



Vigilância de Necessidades Fisiológicas: As empresas controlam o tempo que o trabalhador pode usufruir para suas necessidades fisiológicas, ou seja, é estabelecido tempo de cinco minutos, e se extrapolado esse tempo o trabalhador é advertido verbalmente, pois o patrão nunca se compromete de fazer tal ato ilícito por escrito, apenas a coação verbal, com cunho de denegrir o trabalhador e coibir que ele se valha de tal expediente, ou seja pausa paga pelo patrão, para suas necessidades.



Vigilância de Câmeras internas, externas e em salas de repouso: Câmeras instaladas por todas as partes capturam imagens dos trabalhadores no momento do labor quanto nos momentos de repouso, a fim de detectar todas as movimentações dos trabalhadores.



Como dito, a vigilância é total e “milimétrica”. Sob tal ótica de vigilância e controle total, o patrão passa com extrema facilidade obter senhas pessoais de acesso ao sistema e até mesmo efetuar qualquer procedimento passando-se por ele.



O patrão tem o controle total e ante a tal metodologia de vigilância pode facilmente efetuar um procedimento de conduta ilícita e atribuí-lo ao trabalhador, podendo coagi-lo a pedir a rescisão de contrato com falsas provas.



OS JOVENS ADOECEM NOS “CONTACT-CENTER”: O mercado de “Contact-Center’s” é um dos que mais cresce no país. As grandes empresas terceirizam cada vez mais os seus canais de relacionamento com os clientes o que por derradeiro expande o referido mercado.



Com a expansão logo surgem os desejados postos de trabalho, o público alvo para trabalho nestas centrais são jovens entre 17 e 25 anos, sem experiência no mercado de trabalho e trabalhadores desempregados com mais de 40 anos que encontram dificuldade de realocação no mercado.



A força patronal sabe da inexperiência dos jovens e se vale ardilosamente de técnicas sórdidas de coação para que os trabalhadores desse setor produzam o que a empresa quer o que vai além das forças do trabalhador a qualquer custo.



Segundo levantamento da Socióloga Selma Venco os jovens estão adoecendo nos “Contact-Center’s” do Brasil: “Por não terem a vivência de mercado e desconhecerem as leis trabalhistas, os jovens se tornam presas fáceis para pressões psicológicas”.



Ainda segundo o Jornal da Unicamp, sobre a Tese da Dra. Venco relativo a insalubridade das Centrais de Atendimento: “Em geral, eles desempenham suas atividades dentro de salas com ar-condicionado e cadeiras estofadas, possuem carteira assinada e, nem de longe, a função compara-se ao trabalho braçal do chão de fábrica ou da lavoura. Tais benesses, porém, não livram os profissionais de telemarketing e call center (centrais de atendimento) da exploração no ambiente de trabalho. A socióloga Selma Venco, em pesquisa de doutorado defendida na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, constata que esta profissão, uma das mais crescentes no país, esconde sérios descompassos sociais e condições de trabalho marcadas por fortes pressões psicológicas. Na opinião da pesquisadora, está se formando uma espécie de “proletariado não-operário”.”



Também, deve se levar em consideração a opinião da Sra. Ana Soraya Vilasboas Bomfim, servidora federal do Ministério do Trabalho e Emprego, da Fundacentro - Centro Regional da Bahia (CRBA), Assistente Social, com Mestrado na linha de pesquisa do Trabalho e Sociedade CRH/UFBA, questionada sobre o que revela sua pesquisa sobre saúde dos tele-operadores na cidade de Salvador/Bahia, ela responde:



A pesquisa confirma que os(as) trabalhadores(as) das Centrais de Teleatividade de Salvador, vivenciam um processo de precarização, o medo sendo utilizado pela gestão que desestabiliza os coletivos, assim, a empresa neoliberal impõe um grau de sofrimento aos trabalhadores – diante de ameaça declarada a respeito do cumprimento de metas inatingíveis - dificultando a resistência da classe que vive do trabalho. Deste forma, o estudo revela que estamos diante de uma apropriação e subordinação da emoção humana, em suas condições objetivas e subjetivas que tem levado ao adoecimento crescente dos(as) teleoperadores(as). Pelos critérios de seleção do teleoperador para entrar na linha de trabalho, seja em atendimento ativo, receptivo ou ativo e receptivo, observa-se que o trabalhador(a) deve se apresentar como convém à tecnologia empregada, à solicitação do serviço ou produto da empresa contratante, ficando subordinados a roteiros pré-estabelecidos pelas contratadas seguidos de tempo estabelecido que determinará a ação e atuação em função do faturamento. Em nome da razão econômica, fica estabelecido o desenvolvimento do “como competir”, “como castigar”, “como agüentar”, “como ficar calado”, “como negar o sofrimento do outro”.



No caso do teleoperador(a), “sitiado na baia”, além da supervisão permanente por meio eletrônico, que tem como objetivo seguir um fluxo informacional que lhe exige capacidade cognitiva, controle das emoções, capacidade física e psíquica para obter resultados; “fóra da baia”, existe um cliente-usuário ávido para obter informações e resoluções; no caso do teleoperador ativo, de vendas, existe o sentimento de ter que lidar com a invasão da privacidade de outrem. Para os teleoperadores do século XXI, as estruturas das centrais de teleatividades representam a sociedade empresarial das Novas Tecnologias, onde o trabalho continua pouco prazeroso e alienante como o da fábrica, além de constituir uma sobrecarga física e mental com elevada prevalência de doenças osteomusculares, do sistema nervoso, do aparelho respiratório, e transtornos mentais e comportamentais.



Doenças dos braços e mãos: O profissional tele-operador cada vez mais adoece em frente ao seu posto de trabalho, face o grande número de chamadas e ao mobiliário deficiente o tele-operador adquiri tendinite, bursite entre outras inflamações das articulações. Os patrões que buscam apenas o lucro desacerbado, não investe em segurança do trabalhador. Hoje, por exemplo, a segunda maior empresa de Contact-Center do Brasil, A Atento Brasil S.A., em sua sede de Porto Alegre, dispõe de cadeiras estofadas, todavia muitas não funcionam os encostos de braço e coluna, possui ajuste das mesas porém raras são as que permitem fazer tais ajustes, teclados rígidos e mouses com defeitos ocasionam as mais diversas lesões nos braços dos trabalhadores.



Doenças de voz: Esses profissionais passam no mínimo seis horas diárias trabalhando com a voz em um ambiente totalmente hostil, Se não vejamos um trecho do Artigo referente as doenças da Voz em tele-operadores feitos por renomados doutores em Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, Condições de produção vocal de teleoperadores: correlação entre questões de saúde, hábitos e sintomas vocais, Léslie Piccolotto Ferreira; Clara Megumi Akutsu; Patrícia Luciano; Natália De Angelis Gorgulho Viviano: “Dentre os profissionais da voz, os teleoperadores merecem destaque por estarem expostos a fatores de riscos tanto ambientais (como uso intenso da voz, mudança brusca de temperatura, ambiente frio ou quente demais; presença de carpete, ar condicionado, poeira, fumaça e ruído no ambiente de trabalho) como organizacionais (estresse relacionado ao trabalho, necessidade de maior número de intervalos, relacionamento insatisfatório com chefia, colegas, clientes, entre outros fatores)”.



E ainda concluem o artigo, desta forma: Na população estudada (os trabalhadores tele-operadores), distúrbios de vias aéreas e hábito de falar muito (fatores decorrentes de alterações relacionadas à saúde), presença de ruído ao telefone (fator ambiental), assim como maior carga horária semanal, relacionamento ruim e menção a presença de estresse no trabalho (fatores organizacionais), mostraram-se responsáveis pela presença de sintomas vocais (ardor na garganta, cansaço ao falar, falhas na voz, rouquidão, esforço ao falar, voz grossa, voz fraca, voz pior pela noite) e constituíram-se em justificativa para que os teleoperadores estivessem insatisfeitos com sua própria voz.



Doenças de pulmão e vias aéreas: Os trabalhadores de tele-atendimento estão expostos a variação de temperatura dentro do ambiente de trabalho, pois raramente é obedecido o que preceitua a NR-17, Anexo II, o local de trabalho é fechado, com condicionadores de ar, com carpetes empoeirados e paredes estofadas em péssimo estado de conservação, tudo isso é um facilitador para as doenças respiratórias. Também, pode se atribuir as doenças respiratórias ao alto número de pessoas em um mesmo espaço, o que pode propiciar uma epidemia viral de qualquer espécie, sem providências da patronal.



Das doenças e transtornos mentais: Cobrança excessiva, alta carga de trabalho através de altíssimo número de contatos recebidos e ou realizados, imposição de metas inatingíveis, baixa remuneração, omissão da chefia, doenças físicas, humilhações, degradação, castigos, proibição de utilização de sanitários, ofensas e xingamentos por parte de clientes e de superiores hierárquicos, ameaça de demissão, coação, falsificação de provas contra o trabalhador. Como pode um jovem entre 17 e 25 anos suportar tudo isso. A mente não está estruturada suficientemente para reparar tamanho sofrimento e dor. A conseqüência de tudo isso são os transtornos mentais. Jovens entram sãos na empresa e saem adoecidos, perturbados transtornados. Nestes casos são diagnosticados casos de ansiedade, síndrome do pânico, fobia social entre outros.



BAIXA REMUNERAÇÃO E ALTA ROTATIVIDADE: Segundo Nelson Armbrust, executivo da Atento Brasil S.A., no ano passado, a Atento faturou R$ 2 bilhões, com expansão de 17,6% em relação aos R$ 1,7 bilhão de 2008. “Este ano vamos superar o crescimento do mercado”, disse ele a Revista Valor Econômico. Mesmo tento faturado R$ 2.000.000.000,00 a Atento Brasil S.A., ao menos sua sede em Porto Alegre/RS, paga hoje aos trabalhadores menos de um salário mínimo regional, o que envergonha a categoria. A baixa remuneração, menos de R$ 500,00 por mês para trabalhar seis horas e vinte minutos durante seis dias da semana suportando todo o tipo de degradação faz com que um trabalhador deste setor fique em média um ano e seis meses no seu posto de trabalho.



CONCLUSÃO: As rotinas das empresas de “Contact-Center” expõem o trabalhador ao mais alto grau de constrangimento ferindo a dignidade da pessoa. As empresas deste seguimento têm seus trabalhadores praticamente em regime de escravidão, sendo lhe pago salário baixíssimo na contra-partida sendo exigido alto padrão de atendimento, metas rigorosas e a degradação moral. Ou se tem aprovado o Projeto de Lei 4.516/2004 e o Projeto de Lei 2.673 de 2007 ou as condições ficaram cada dia piores. As empresas querem mais dando menos e os trabalhadores sucumbem ante a necessidade do labor e adoecem nas mãos da patronal.

Guilherme Drews Peres
Filiado ao SINTTEL, FITTEL e a CUT.

Publicado em 25 de agosto de 2010, em naosecale.blog.terra.com.br

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